Resenha Critica: Abracos Partidos, de Pedro Almodovar

“O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas.Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços[...]"

Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços



    
    “Los Abraços Rotos”, ou “Abraços Partidos”(2009) é o mais recente filme de Pedro Almódovar, e o 14ª filme de sua carreira como diretor. Já tendo construído ao longo de sua  trajetória uma linguagem  cinematográfica inconfundível, da qual a atriz Penélope Cruz reaparece indissociável da seu modelo de heroína feminina, o cineasta parece usar esta película para brincar com sua própria maturidade, nos trazendo um personagem que também vive da ficção audiovisual.

O filme se inicia dentro do cotidiano da casa onde vive o personagem principal, Mateo Blanco, que de cara já se apresenta em primeira pessoa, nos contando sobre o seu pseudônimo, Harry Canie, sobre sua profissão de roteirista e sua cegueira. Somos convidados a partilhar a metalinguagem do cinema desde o início. 
Também logo de início Almodóvar nos joga na tensão em torno do sexo tão recorrente em seus filmes, fazendo-nos presenciar o que a primeira vista seria um adultério de Mateo/Harry e demonstrando que aquilo era uma constante quando Judith Garcia(Blana Portillo), uma mulher bem mais velha que a amante loira, entra sem cerimônia de posse das chaves e nota aquilo como se fosse um costumeiro incômodo, mas nada que a impeça de estar ao lado de Mateo/Harry, providenciando seu conforto doméstico e profissional.  Um dos primeiros mistérios do filme é saber que tipo de relação existe entre Mateo/Harry e Judith, e se Diego (Tamar Novas), o jovem que chega logo depois e parece morar lá, é filho do casal. Descobrimos muito, através de vários flashbacks de 14 anos atrás que se entremeiam com o presente, que a resolução dessa silenciosa dúvida parece girar em torno da presença da figura sedutora de Lena (Pénelope Cruz). 
É difícil dizer uma única coisa do que se trata esse filme de Almodóvar. Diversos temas aparecem entremeados no dia-a-dia das diversas personagens, mais como uma novela que como um filme, e o diretor fragmenta a sua atenção para a corrupção, de emprego e de caráter de Ernesto Martel; as drogas, parte do cotidiano da profissão de DJ de Diego, a traição, em suas várias facetas entre os triângulos amorosos, as rachaduras do modelo de estrutura familiar patriarcal, tanto na família dos Martel quanto na de Lena e em especial na de Mateo, Judith e Diego, além é claro da paixão e suas (in)conseqüências imprevisíveis. Mas tudo isso é atravessado num tom quase que de investigação, pois não somos apresentados de imediato ao principal fato que parece afetar, direta ou indiretamente, a vida dos personagens.

No figurino dos personagens de Abraços Partidos, suas personalidades já se apresentam sem maiores rodeios: o jovem Diego já aparece na primeira cena com sua mochila transversal com o símbolo do Rolling Stones pra mais tarde descobrimos que ele é um DJ, a sua mãe Judit Garcia(Blanca Portillo) produtora pragmática de cabelos curtos, calça e moletom, a sobriedade da vestimenta social de Lena contrastando com a opulência dos vestidos e jóias depois de se envolver com Ernesto Martel, e igualmente a oposição da simples calça jeans e camiseta pólo do recluso Harry Caine e o estilo esporte com direito a jaquetinha de malha do jovem Mateo Blanco há 14 anos atrás. É essencial em momentos como na cena em que Lena, a fim de conseguir dinheiro rápido para ajudar seu pai, liga para uma mulher e percebemos logo de cara que se trata de uma “cafetona” pelo visual caricatural: loira, de penteado sofisticado artificial, pérolas, rodeada de decoração luxuosa vermelha e dourada e um atraente mordomo à tira loco.



Assim como nas vestimentas, todo o cenário do filme é construído com base no contraste de cores muito vibrantes, em especial o tom de azul contra o vermelho. Praticamente cada parede de um cômodo possui cores diferentes do outro e há muitas cenas contracenadas em dois cômodos ao mesmo tempo. Tal característica dá um tom dramático mais teatral ao filme, no sentido de que não esquecemos de que se trata de um cenário meticulosamente montado. De certa maneira isso nos distância da imersão no filme, parecendo que Almodóvar faz questão que estejamos sempre cientes que somos espectadores. Os personagens estão sempre imersos nesse palco colorido, pois boa parte das cenas focam suas conversas cotidianas e a convivência entre eles. Isso é reforçado pela câmera que pausa no cômodo e observa os atores se movimentarem dentro dele, mesmo que momentaneamente saiam do enquadramento da câmera. Quando não, a câmera se move de um a outro rosto do personagem durante o diálogo, mas dificilmente corta de forma editada de um rosto para o outro. Aliás, a dispensa da marcação do corte pós-produzido é uma constante em várias cenas, o que contribui para essa sensação novelesca na linguagem cinematográfica de Almodóvar, já que os vários planos enquadrados em forma de cortes de edição é o usual no cinema. Isso também interfere no ritmo, a narrativa segue mais lenta sem muitos cortes de um plano a outro. Isso fica mais evidente quando paramos metalinguísticamente para observar o filme de Mateo, “Chicas e Maletas”.

A arte do menu do filme foi muito bem escolhida, pois nos transporta para imagens-chave do filme que só vamos descobrir depois de assistí-los. A imagem do empresário de meia idade Ernesto Martel abraçando apaixonadamente uma linda e jovem Lena, mas que tem os olhos fixos no nada diante daquele gesto, e os submenus repletos de fotografias que a mostram apaixonadamente com o personagem principal, porém rasgadas, expressam a contradição e as agruras desse aparentemente simples ato de abraçar.



* por Ludmila Monteiro, estudante do 3ª módulo do Curso de Artes Visuais do IFPI e de Comunicação Social/Jornalismo da UFPI

2 Responses so far.

  1. Aracely says:

    Ao escrevermos nossas impressões contribuímos para a educação do nosso olhar.
    Ao publicarmos nos tornamos uma espécie de "educadores"..rsrs
    Continue assitindo, escrevendo e compartilhando.
    Com um tempo os filmes se tornarão cada vez mais instigantes.
    Ah! ta sabendo de um grupo que MOnteiro vem divulgando..a ideia é exercitar a crítica em cinema em Teresina.

  2. F.U.L.Ô. says:

    Valeu, Ara. Bom, não sabia de um grupo mesmo, mas venho acompanhando o blog dele no Acesse Piauí, o Processo 954, e venho percebendo que ele tá cada vez mais refletindo sobre o papel da crítica de cinema através de entrevistas e tal. Ele aproveitou a vinda do Edgar Navarro e do Marden Machado pra realizar duas ótimas entrevistas. Vou até linká-las por aqui também. Mas que grupo seria esse?

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